domingo, 7 de junho de 2015

O mundo é bué de cenas - Luto Nacional

O Ministro da Educação de Timor-Leste, Fernando Lasama, morreu na passada terça-feira vítima de uma trombose. Parece que o senhor se sentiu mal num dos distritos distantes de Díli e depois, quando chegou à capital, pouco ou nada poderia ser feito.

Eu tenho por hábito ler as notícias ao pequeno-almoço, quer para saber o que se passa em Portugal, quer para estar a par do que acontece por aqui. E no dia 2 não li nada de novo, muito menos sobre a morte de ninguém do Estado. Por isso saí para a faculdade, debaixo do sol tímido e do calor nublado, percorrendo a pé a rua de sempre, assistindo à azáfama habitual de todo e qualquer dia. Chegada ao gabinete, o que me fez perceber que alguma coisa se passava foi o facto de não haver professores no corredor e de os alunos estarem silenciosos demais. Uma professora esperava impaciente pelo responsável do seu departamento para lhe abrir a porta e, assim, poder trabalhar, mas a espera tornou-se excessiva e ela aproveitou para desabafar comigo – “sabe, Sara, o Ministro Lasama morreu, foi toda a gente para o Ministério. Eu só devo ir à tarde, que já se fala em tolerância”. Abri várias páginas de jornais online e nem a Lusa confirmava o que tinha acabado de ouvir. “Eu tenho uma prima no hospital, ela ligou-me e disse-me”.

Uns vinte minutos depois e, então, já se confirmava – a Lusa, a Sapo TL, o Público e o Diário da Madeira (!) tinham já lançado a notícia, inclusivamente com imagens do falecido deitado na maca, o Xanana de um lado, um ex-aluno meu do outro e os funcionários atrás, todos cabisbaixos. Afinal, o Ministro tinha mesmo morrido. Os mails institucionais começaram a cair, os telefonemas e as mensagens a avisar de que da parte da tarde ninguém trabalharia e a Universidade ia fechar. Ou seja, as orientações das monografias agendadas para aquele dia ficariam sem efeito. Liguei aos meus alunos, adiei para o dia seguinte e cumpri o meu dever matinal.

À hora de almoço, o luto nacional já tinha sido declarado e, com ele, os dias de tolerância: terça à tarde, quarta, quinta (feriado cá) e sexta o funeral. Já tinha sido lançada também a agenda do luto e os percursos que o caixão iria fazer até ser enterrado no Jardim dos Heróis, em Metinaro. E estava eu a passar os portões da faculdade quando o carro funerário e a escolta policial passaram por mim e se dirigiram para o Ministério da Educação, o primeiro lugar dos muitos por onde o falecido passou. De notar que o ME é ao lado de minha casa, tornando-se praticamente impossível passar para lá de carro. Para não falar da agitação e das pessoas que por lá passaram para dizer o último adeus.
Com tudo isto, a semana parou e foi como se se tratasse de um fim de semana prolongadíssimo. Vi-me obrigada a ir à agenda e voltar a desmarcar as orientações programadas, dando assim mais trabalho aos alunos. Durante aqueles dias, e tirando os restaurantes e hotéis e lojinhas, tudo parou: a Universidade, as escolas, as instituições públicas. Com isso, nada para fazer a não ser esperar para voltar ao trabalho.

Os timorenses respeitam imenso os mortos e prestam-lhes um culto tal que é difícil perceber para quem é de fora. O corpo foi recebido pelos funcionários do seu Gabinete, depois esteve na sua residência oficial; no dia do enterro, saiu de casa, voltou ao ME, passou pela Catedral para a missa fúnebre e seguiu caminho para o cemitério, passando antes pelo Parlamento Nacional para ser condecorado a título póstumo. Ao longo destes percursos estranhos, houve sempre espaço para discursos formais, para visitas partidárias e de Estado, o que obrigou a cortes de ruas milimetricamente estratégicos e durante um período de tempo preciso. Díli esteve o caos, mas um caos a meia haste.

O país parou, literalmente. Não é algo a que se esteja habituado, mas é algo que se deve respeitar. Mais ainda quando se trata de uma pessoa que lutou pela independência, que esteve preso anos em condições míseras, que viu os seus morrer e mesmo assim fez de tudo para ser livre e libertar o seu povo.

Merecia ser honrado, sem sombra de dúvida. O único senão, no meu ponto de vista, foi terem colocado pela cidade cartazes gigantes com a sua cara e uma mensagem em tétum e em português que acaba com “Descanca em paz”. Aqui para nós, tamanho homem e tamanha vida merecia, julgo, à parte o Luto Nacional, um Szito.

SMS

https://duzentosequatro.wordpress.com/2015/06/07/tl13-luto-nacional/


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