domingo, 26 de abril de 2015

O mundo é bué de cenas - Da distância

Trabalhar fora é magnífico e enriquecedor, deslumbrante, extasiante. 

E significa, claro, abdicar de muito: do conforto do lar e da família, das saídas com os amigos de sempre, de um café bem tirado, de um bolo típico e fresco, dos banhos de chuveiro demorados e de água potável, da roupa lavada com um amaciador cheiroso. Com a família e os amigos o contacto mantém-se, as saudades são facilmente controladas com toda a tecnologia existente; o resto, que à primeira vista pode parecer supérfluo, cede à habituação e ao que o novo local tem para oferecer.

Porém, este ano, vejo-me a abdicar do que me é mais precioso – do sorriso diário e presente do meu João. Do seu abraço-abrigo, da sua mão nos meus cabelos, da sua presença no mesmo espaço partilhado; das nossas gargalhadas sem nexo, das conversas sérias, do “dorme bem” ao deitar. A fim de realizarmos o nosso sonho profissional, agora, por pouco tempo (que tende a parecer séculos infinitos!), estamos separados no mundo. No mundo, porque já nada nos separa!

O meu João é trabalhador humanitário e está a trabalhar com os Médicos Sem Fronteiras no Sudão do Sul, numa zona mais remota do que o mais remoto imaginável. Coordena um grupo de enfermeiros e médicos que, tal como ele, abdicaram do que têm e dão tudo o que podem em prol da saúde e bem-estar de milhares de pessoas deslocadas que fogem diariamente dos conflitos tribais tão presentes no país. Se é um trabalho difícil? Sem dúvida. Se poderiam prescindir de morar em tendas, de trabalhar sob temperaturas excessivas, de esperar para beberem água minimamente fresca para estarem num lugar melhor e mais seguro? Não. E porquê? Porque eles sabem que há muitas pessoas que merecem ser ajudadas, que merecem que olhem por elas, que merecem voltar a acreditar. São heróis com superpoderes que vão para além de voar e cuspir fogo: eles agem com o coração e a bondade que os caracteriza.

Seria egoísmo da minha parte pedir-lhe que ficasse comigo, pois se tivesse estômago para lidar com determinadas situações e se pudesse estaria lá com ele. Só que não tenho, fico-me pelos países em desenvolvimento que precisam de solidificar a educação e dedico-me a combater males através do ensino. Mas estaria a mentir se dissesse que não custa. Custa aos dois, bastante! Porém são estes desafios que nos tornam melhores pessoas, melhores companheiros. E os desafios diários com que nos deparamos ajudam a que o tempo passe mais rápido, em que a saudade se transforma nesta ambição saudável de querer continuar a ajudar.

Estamos na idade pessoal e profissional de arriscar, sabendo que o que nutrimos um pelo outro nos vai guardar um lugar, algures no mundo, onde possamos estar em casa – sendo que a nossa casa é onde estamos os dois.



SMS

* Todos os domingos, a SMS diz que "O mundo é bué de cenas".

2 comentários :

  1. Ai, ai.
    É bom saber que tens alguém a teu lado que te é tanto. Mesmo que o "a teu lado" não seja para já fisicamente, sei que é muito mais perto do que isso, e isso é muito difícil de encontrar.
    Força Maen, e força João! Os heróis acabam sempre por ser recompensados. Por isso, é respirar fundo e continuar a batalhar. Tenho muito orgulho em ti, Sara. Keep being who you are!

    Ly <3

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  2. Obrigada pela partilha, Sara! Há pessoas que nos emocionam e inspiram...obrigada!

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