Esta
semana ficou marcada pelo adeus ao futebol de um jogador como já não se vê por
aí: humilde, trabalhador, dedicado, lutador, sonhador, com amor à camisola e um
coração do tamanho do mundo! Falamos de Fary Faye, o senegalês goleador que
decidiu pendurar as botas aos 40 anos de idade e que não conteve as lágrimas no
adeus aos relvados…
Fary
Faye nasceu a 24 de Dezembro de 1974 em Dakar, Senegal. Traquina e à revelia do
seu pai, quando voltava da escola ao final da tarde, Fary escondia-se e ia
jogar. O desejo de jogar futebol era enorme e foi assim que começou a jogar
pelo ASC Diaraf (de 1991 a 96). O avançado começou a dar nas vistas e dos
escalões de formação à primeira divisão foi um “tirinho”, era um menino de
apenas 17 anos. O sucesso parecia inevitável e foi aí que começou a merecer
algum destaque da imprensa local. Se, por um lado, as manchetes enchiam-no de
orgulho, sinal de reconhecimento do seu talento, por outro lado, serviram de
rastilho até à sua casa, altura em que o seu pai explodiu ao descobrir o
segredo de Fary e tentou expulsá-lo de casa, valendo na altura a sua mãe.
O
menino tinha mesmo talento. Foi então que um treinador do U. Montemor se
deslocou ao Senegal, em 1996, em busca de talentos: Fary e Khadim foram os
escolhidos! Foram fiéis companheiros no clube alentejano durante dois anos até partirem,
com sortes diferentes (eles que mais tarde se reencontrariam no Boavista FC).
Fary
tentou a sua sorte no SC Beira-Mar, equipa recém-chegada à Primeira Liga, concretizando
assim um dos grandes objetivos que trazia na bagagem aquando da sua viagem para
Portugal: a estreia na primeira divisão portuguesa. Em Aveiro, teve um primeiro
ano de sentimentos opostos! Foi com nostalgia que viveu as duas últimas
jornadas do campeonato dessa temporada, cujos resultados fizeram com que o SC Beira-Mar
não conseguisse segurar o lugar que lhe dava a permanência no principal
escalão. No entanto, foi com enorme êxtase e alegria que assistiu à entrega da
Taça de Portugal à sua equipa, em pleno Jamor, em Junho de 1999! O troféu maior
do palmarés de Fary e do museu da equipa aveirense, ele que foi o artilheiro de
serviço da equipa! O golo decisivo foi da autoria Ricardo Sousa, outro grande
companheiro de Fary, uma vez que partilharam balneário durante 6 anos (entre SC
Beira-Mar e Boavista FC). Momentos especiais, já aqui recordados por “A memória
do João”.
Apesar
da descida de divisão, Fary continuou por Aveiro e os resultados foram os
esperados: o regresso imediato da equipa aos principais palcos nacionais! O
avançado senegalês era mortífero dentro de área, os colegas de equipa sabiam
que se a bola lhe chegasse era bem provável que gritassem golo uns segundos
depois, era letal! O seu instinto goleador ficou bem demonstrado em 2001/02 e
2002/03, quando apontou 18 golos na I Liga em ambas as temporadas e conquistou
a Bola de Prata em 2003! Impressionante para um avançado equipado com a
camisola de uma equipa que lutava todos os anos pela permanência. Pelo meio, grande destaque pelas quatro internacionalizações pela seleçao senegalesa, no CAN de 2010!
Foi
então que, depois de 5 anos em Aveiro, Fary aceitou o convite do Boavista FC, o
clube que, no Senegal, era apenas conhecido pelas camisolas esquisitas mas que,
em Portugal, aprendeu a ter respeito e a invejar pela raça com que sempre fez
frente aos “grandes”. Foram outros 5 anos com a mesma camisola ao peito, mais
apagados comparativamente com os anteriores, mas sempre com grande
profissionalismo e entrega! Fary sempre nos habituou a isso, nunca deu passos
maiores que as pernas, nunca pensou única e exclusivamente nele, como vemos
hoje a maior parte dos jogadores fazer. Jogava com o coração, sentia a camisola
que envergava, criava empatia com os adeptos, liderava os elementos mais novos
da equipa e foi por isso que voltou a dar primazia ao SC Beira-Mar em 2008/09,
clube onde jogou por mais 2 anos.
Em
2011, depois de uma passagem pelo D. Aves, Fary regressou ao Boavista FC, disposto
a jogar pelos escalões inferiores, em nome do seu amor pelo clube axadrezado.
Já com 38 anos foi mesmo o melhor marcador do Campeonato Nacional de Seniores,
na temporada de 2012/13! Voltar a competir com a “pantera” ao peito na I Liga
era o seu maior sonho, fazer regressar a equipa ao lugar onde ela merecia
estar. Foi, por isso, com grande alegria, que viu o seu sonho concretizar-se
(pela via administrativa, é certo) nesta temporada!
Presença,
estatuto, liderança, amor ao clube, entrega, sacrifício. Vimos tudo isto em
Fary ao longo destes anos de futebol português. Um exemplo para muitos de nós!
Não foi por isso surpresa a titularidade neste último jogo da temporada, com 40
anos, a braçadeira de capitão e toda a cerimónia de agradecimento ao máximo
representante da mística axadrezada no plantel desta época. O Bessa ergueu-se
para o aplaudir, ao som dos cânticos “Fary, Farygol”. O reconhecimento e o
agradecimento, não só do Boavista FC, mas de Portugal, foram os responsáveis
pelas lágrimas que vimos saírem do seu rosto nesta semana. 412 jogos e 150
golos depois, um adeus emocionado aos relvados nacionais.
As
suas palavras dizem tudo: “O que mais amei foi o respeito que Portugal tem por
mim. Joguei em muitos estádios e quando saía os adeptos da equipa adversária
aplaudiam-me. São coisas que ficam na minha memória, assim como os boavisteiros
têm por mim, por me deixarem jogar até aos 40 anos. Isso é respeito, é amor.
Deram-me um valor muito grande”.
Agora
sim, treinadores, goleadores e, especialmente, guarda-redes, já podem
descansar.
Obrigado
por tudo, Fary!
Uma
vez amado, para sempre recordado!
A
memória do João
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