Frederico Rodrigues Gonçalves é francês, mas
conheceu e vive em Portugal, no distrito de Viana do Castelo, desde os três
anos de idade.
O entrevistado
da semana tem uma longa história com o futebol, foi jogador e hoje é treinador do
clube União Desportiva de
Moreira, onde procura transmitir para os seus jogadores que “o futebol de formação tem como objetivo
formá-los enquanto jogadores e não como máquinas de títulos”.
Z: Quem é o Frederico Gonçalves?
F (Frederico Gonçalves): Sou uma pessoa que tem o seu trabalho, mas tem o
futebol como algo muito importante na sua vida. Trabalho numa empresa de Artes
Gráficas em Vigo, Espanha e no futebol sou treinador da equipa de iniciados da
UDM (União Desportiva de Moreira) em Monção, distrito de Viana do Castelo.
Z: Como consegue conciliar os dois trabalhos?
F:
O meu horário
laboral permite conciliar o trabalho com o futebol, neste caso treinar a minha
equipa. Portanto, das 6h às 14h30 trabalho e depois das 18h30 às 20h tenho
treinos, mas este ano treinamos às terças e sextas. Estes horários permitem que
tenha tempo também de preparar os treinos.
Z: Então, você consegue trabalhar em Espanha e
ser treinador em Portugal?
F: Sim, trabalho
em Espanha desde Janeiro de 2006, há 9 anos, mas só há 6 anos é que treino.
Vigo é uma cidade perto da fronteira com Portugal, neste caso Monção, a vila de
onde sou e onde treino. São cerca de 35 km de distância, o que me permite estar
nos dois lados em pouco tempo.
Z: O Frederico disse que tem o futebol como
algo muito importante na sua vida, isto está relacionado somente com a sua
profissão de treinador ou também com o gosto pelo futebol?
F: Sim é
verdade, o futebol é algo importante na minha vida, tanto por ser treinador como
por gostar de futebol. Desde que me lembro, o futebol sempre me acompanhou de
maneiras diferentes, primeiro a jogar em casa, depois o chamado futebol de rua
com os amigos, de seguida a prática de futebol, mas em campeonatos. Houve
entretanto uma grande pausa, mas sempre a jogar com os amigos aos fins-de-semana
e mais tarde novamente o futebol mas neste caso a treinar. E claro que em todo
este tempo assisti a muitos jogos pela TV e fui aos estádios de futebol sempre
que me era possível.
Z: Tem algum momento, algo ou alguém que o fez
começar a gostar e praticar este desporto?
F:
O meu pai foi a
primeira pessoa que me fez gostar de futebol, claro que começou por
encaminhar-me a que eu fosse do seu clube, depois, quando fui para a escola, o
futebol naquele tempo era o melhor caminho para se fazer amizades e foi aí que
eu entrei para o "mundo" do futebol, torneios de verão, depois jogar
em campeonatos e mais tarde ter a oportunidade de treinar uma equipa. Foram vários
os fatores e as pessoas que me fizeram gostar e praticar futebol.
Z: Como foi a sua carreira enquanto jogador de
futebol?
F: Não foi muito longa. Comecei em 1994, quando
tinha 12 anos, num torneio de verão, fut5, o clube então era ADP (Associação
Desportiva de Pias). Foi uma experiência muito positiva, era o capitão e a
equipa era constituída por grandes amigos que nunca tínhamos jogado em qualquer
tipo de competição e na qual conseguimos um lugar no pódio, com um 3º lugar.Em seguida veio o convite do mesmo clube para integrar a equipa de iniciados. A primeira época foi mais de aprender e ganhar ritmos que até então era de futebol de rua e poucos jogos realizei. Na segunda época fui um jogador com muita frequência no 11 e o campeonato foi bastante positivo com um 4º lugar final. Porém, depois o clube cessou a prática de futebol e eu estive um ano sem jogar. Foi então que em 1997, fui jogar para o concelho vizinho, Valença e o clube era o Valenciano, foram três épocas, duas nos juvenis e uma nos juniores, mas por motivos académicos não consegui conciliar o futebol com os estudos e foi aí que deixei de competir.
Z: Afirmou que parou de jogar futebol por causa
dos estudos, esta pausa o fez desistir da busca para ser jogador profissional?
F:
Quando comecei a
jogar futebol com 12 anos sonhava como milhões de crianças em ser jogador de
futebol. Jogar no meu clube preferido e nos grandes clubes europeus, acho que
era o que todos nós imaginávamos antes de adormecer, entretanto já nessa altura
sabia que podia ser bom a jogar futebol mas daí a ser profissional vai muito. O
que eu queria era jogar futebol, mas a determinado momento tive de fazer uma
escolha e tive de optar pelos estudos porque tinha a noção, aos 17 anos que eu
tinha então, que o futebol para mim teria de ser só entre amigos.
Z: E como foi a sua carreira como
treinador até hoje?
F: Em 2009, um amigo veio ter comigo e perguntou se eu
estaria interessado e com disponibilidade de ajudá-lo a treinar uma equipa de
benjamins de futebol de 7, então respondi no mesmo momento sem hesitar! O facto
de poder regressar ao "mundo de futebol" fez com que aceitasse o
convite.
Foi uma época desportivamente um pouco desastrosa, o meu amigo que era o
treinador principal teve de deixar o clube por motivos profissionais e o clube
arranjou outro treinador, mas como os resultados não eram bons acabou por desistir
da equipa e foi quase no fim de época que eu assumi a equipa e consegui com que
a esta alcançasse os primeiros pontos do campeonato. Nas duas épocas seguintes
a equipa evoluiu bastante, fazendo campeonatos razoáveis.
Em 2009/2010, quarta época de benjamins, chega o grande momento,
primeiro título do clube. Com jogadores vindos do escalão de traquinas e alguns
que ainda eram benjamins conseguimos o título de Campeões distritais de
benjamins de futebol de 7 de Viana do Castelo, o primeiro título da UDM (União
Desportiva de Moreira). Foi uma grande época, a equipa jogava bom futebol, eram
empenhados e tinham um grande apoio de todos, principalmente dos pais e dos
amigos que os iam apoiar em todos os jogos.
Na época seguinte fui para o escalão de infantis e alguns desses
jogadores vieram comigo, mas com a mudança de escalão a dificuldade aumenta e
esses mesmos jogadores tiveram dificuldades, o que entretanto faz parte da
formação. Fez-se um campeonato razoável mas positivo. Esta época, recebi por
parte do clube a oportunidade de treinar os iniciados, futebol de 11, o grau de
exigência aumenta, mas estive sempre ciente dos meus ideais na formação dos
jogadores. Em termos classificativos a equipa não está bem classificada, porém houve
grandes melhorias em termos individuais mas principalmente coletivos. Abdico
dos pontos em detrimento da prática do futebol.
Z: Quais seriam estes ideais na formação dos
jogadores?
F:
É bastante complexo. Nos dias de hoje,
no futebol, o mais importante são as vitórias e os títulos. Na formação é cada
vez mais corrente o discurso de “ganhar, ganhar e ganhar”. Os clubes e seus
treinadores têm de ter o cuidado de perceber que o futebol de formação tem como
objetivo formá-los enquanto jogadores e não como máquinas de títulos. Temos de
ajudá-los a evoluírem conforme as suas idades com treinos e discursos simples
para começarem a assimilar questões simples, como por exemplo a sua colocação
dentro de campo.
Por vezes, vemos treinadores a exigirem
que jogadores sub15 façam o mesmo que os sub19, errado! Temos de elaborar bem
os treinos e fazer exercícios que vão em conta o que pretendemos deles enquanto
equipa, para que lhes seja mais confortável e que consigam por em prática o que
têm vindo a aprender treino após treino. O resultado do jogo é o que menos
importa!
Z:
Enquanto treinador adjunto, afirmou ter uma época desastrosa. Pode explicar o
motivo para a definir desta forma e o que levou a este resultado?
F: Foi uma época desastrosa porque quase tudo aconteceu. Era
a primeira vez que nós, treinadores, treinávamos uma equipa e que os jogadores jogavam
futebol, nós com pouco métodos de treino e os jogadores com alguma falta de
qualidade. De seguida, a constante mudança de treinadores e um deles por ter
desistido da equipa pelos resultados negativos. Só por isso é que eu achei
desastrosa.
Z:
Como pode definir a chegada ao primeiro título do clube União Desportiva de
Moreira (UDM)? O que mudou após o dito desastre que o fez chegar a este título?
F: O primeiro título para a União Desportiva de Moreira foi conseguido
na época de 2012/2013 mas eu sempre disse que o título foi conseguido porque ao
longo de anos o clube trabalhou muito e criou condições para que nesse ano a
equipa estivesse mais preparada para conseguir o merecido título.
Após a época desastrosa, houve da minha parte um estudo mais
cuidadoso para a elaboração de treinos e houve maior cuidado na formação dos
jogadores e com a vinda de novos jogadores vindos do escalão de traquinas a
equipa nesse ano teve capacidade de aprendizagem e de por em prática um bom
futebol e daí resultou o título de Campeões de Benjamins de futebol de 7 do
distrito de Viana do Castelo.
Z: Ao longo da sua carreira como
treinador passou de futebol de 7 para futebol de 11, pode-se contar isto como
uma evolução?
F: Sim, ao longo destes anos fui
adquirindo conhecimentos e percebendo o que se pretende para uma equipa
consoante as suas idades. Eu solicitei ao clube que esta época pudesse treinar
os sub15 porque ambicionava por em prática os meus ideais sobre o futebol. Os
resultados em termos de pontos e de classificação não são os melhores mas a
equipa, apesar das suas dificuldades que vai tendo, tem vindo a melhorar em termos
de qualidade de futebol exigido ao escalão de sub15.
Z: O que motivou a sua
mudança de jogador para treinador?
F:
A mudança foi com uma distância
alongada, deixei de jogar futebol competitivo com 18 anos e comecei a treinar
com 27 anos. O poder treinar foi algo muito bom, ter uma nova oportunidade de
estar novamente ligado ao futebol foi mais que suficiente para eu ter aceitado
o convite prontamente.
Z: Como é que estas
profissões se podem completar, isto é, o Frederico é um melhor treinador porque
já foi jogador?
F:
Não, acho que um treinador tem que ter
a “sorte” de ter uma equipa composta por jogadores com vontade de aprender e o
facto de ter sido jogador em outros tempos não faz de mim um melhor treinador.
Um melhor treinador não se pode definir só porque se ganha títulos mas sim pelo
trabalho realizado com os seus jogadores desde que a sua ambição não seja
“ganhar, ganhar e ganhar”.
Z: Hoje, como treinador
principal, acredita que o seu período enquanto treinador-adjunto foi importante
para a sua formação?
F: Sim, foi muito importante, até
porque era a minha primeira experiência enquanto treinador e não tinha métodos
de treino e foi um pouco difícil no início. Por vezes temos de observar de
outros ângulos para percebermos o que temos de melhor e enquanto treinador-adjunto
permitiu-me avaliar isso mesmo.
Z:
Há uma formação para tornar-se treinador de futebol ou o que mais vale é a sua
experiência na carreira enquanto jogador?
F: Eu não tenho a formação de treinadores, no distrito de
Viana do Castelo os cursos de treinadores de futebol nível 1 já não se realizam
há mais de 5 anos e agora pelo conhecimento que tenho as regras mudaram,
valores monetários da formação muito elevados e de longa duração, o que não me
permite, porque não daria para conciliar com o meu emprego atual. A experiência
de jogador também é benéfica, porque sei das dificuldades que os jogadores
sentem ao longo dos treinos e de como podem vir a reagir a certas dificuldades
que vão tendo ao longo da sua formação.
Z:
Qual a maior dificuldade em ser treinador de futebol?
F: A maior dificuldade é, sem dúvida, a falta de qualidade e
quantidade de jogadores. Sem qualidade um treinador não vai conseguir os
objetivos que pretende para a evolução da equipa e a falta de quantidade
complica e muito ao longo de uma época a realização de treinos e por vezes dos
jogos. Depois surgem outras dificuldades, os exames académicos por exemplo,
porque têm de faltar aos treinos para estudar, ou simplesmente o facto de se
ter jogadores que estão no futebol apenas para praticarem algum desporto e faltam
aos treinos sem aviso prévio.
Z: O que há de melhor na
profissão?
F: O melhor que um treinador tem é o
reconhecimento, em primeiro lugar dos seus jogadores, depois de todo o clube e
dos pais dos jogadores. É muito importante ter apoio de todos para que se
consiga trabalhar em prol da formação dos nossos jogadores.
É bom, por experiência própria, conseguir um título mas não é o mais
importante, só o facto de ver a minha equipa pôr em prática quase tudo o que se
vem a trabalhar nos treinos e ver a sua evolução ao longo da época é muito
gratificante.
Z: O Frederico pretende
chegar a ser treinador de uma equipa profissional de clubes dito grandes da
Liga Portuguesa?
F: Seria um sonho, mas tenho a real noção
que é impossível, não trabalho para alimentar este sonho mas sim porque gosto
de futebol e acredito que posso mudar um pouco a mentalidade do “ganhar, ganhar
e ganhar” e tento passar sempre esta mensagem para dentro e fora do clube.Continua na próxima semana... (ver Parte II)
Ana Zayara Michelli
Sem comentários :
Enviar um comentário