sábado, 10 de janeiro de 2015

Remate da Z - Luís Almeida (Parte II)

Nascido em Coimbra, em 1992, estudante de Jornalismo e que uma vez integrou a Associação de Futebol da cidade, onde exerceu a função de árbitro durante 5 anos, de 2009 até 2014. Este é Luís Almeida, o entrevistado da semana.

Parte II (ver Parte I)

Z: A nível de jogadores de futebol, este ano falou-se muito do investimento na base, nas formações, principalmente por causa da Copa do Mundo. Acontece o mesmo com a arbitragem?
L: Em Portugal, o investimento na arbitragem tem sido maior, apesar de tudo, das restrições orçamentais. Ao mais alto nível, claro, é onde se nota isso. Ao nível distrital, falta mais investimento para que se consigam cativar mais árbitros e, ao nível das infraestruturas, se deem melhores condições a todos os árbitros.

Z: Apesar da mudança, da aposta na qualidade, falta algum incentivo adicional para que os árbitros portugueses sejam internacionais e reconhecidos pelo mundo fora?

L: Sinceramente, acho que não. Os árbitros internacionais portugueses têm conseguido aquilo que nunca antes tinha sido feito e isso é sinal de que têm condições para trabalhar e chegarem mais longe. O próprio Pedro Proença disse que só conseguiu chegar onde chegou dado todo o investimento que o presidente da Federação Portuguesa de Futebol fez nele.




Z: Qual é a maior dificuldade nesta profissão?
L: A maior dificuldade é a atividade em si. Só quem gosta mesmo é que se dá ao luxo de ser insultado e ameaçado todos os fins-de-semana.

Z: Já fizemos uma entrevista a um árbitro no “Remate da Z”, na qual perguntámos sobre como a família reage aos insultos. Como reage a sua família?
L: A minha mãe ainda foi ver alguns jogos meus e ela não regia muito porque sabia que não o poderia fazer. Somente quando havia situações mais complicadas, de confronto direto, é que ela reagia, demonstrando nervosismo. Uma das vezes, esteve quase para entrar dentro de campo com o calor do momento, onde o treinador de uma das equipas (referir que os miúdos não tinham mais que 8 anos - belo exemplo a dar) dirigiu-se a mim no final do jogo, a ameaçar-me, a insultar-me e a fazer-me peito. Porém, sabia que não o poderia fazer. Nem foi a pior situação, mas foi uma das que a minha mãe assistiu.

Z: Então, qual foi a pior situação que passou enquanto árbitro?
L: Desse ponto de vista, foi uma vez em que um treinador me empurrou, deu-me um murro no peito, encostou a testa dele na minha, fez-me peito, insultou, ameaçou. Foi complicado.
Num ponto de vista mais emocional, foi ter que expulsar, por duas ou três vezes, miúdos com 7, 8 e 9 anos.

Z: No primeiro caso, o treinador agiu desta forma por causa de alguma decisão que você tomou em campo?
L: Eles estavam a perder por 5-0 e, na altura, no final do jogo, eu fazia uma espécie de flashback mental para ver se tinha ou não errado e conferenciava com os meus assistentes. Naquele caso, era futebol de 7 e, por isso, só havia um árbitro, então não podia recorrer aos meus colegas. Na altura duvidei do meu trabalho, pensei "será que fui eu? Onde errei?" - porque um árbitro erra sempre. Curiosamente, naquele jogo não tive nenhum erro grosseiro ou de influência no resultado. Posso ter-me enganado em uma falta ou outra, mas isso é normal. Sinceramente, não percebi o motivo, poderia entender melhor, apesar de nada o justificar, se tivesse assinalado uma grande penalidade errada e que essa tenha tido influência no resultado final, por exemplo. Mas não, eles estavam a perder por 5-0.




Z: E no segundo caso, o que justificou a expulsão desses meninos de 7 ou 8 anos?
L: Não faz sentido que crianças insultem os árbitros de forma grosseira. Num dos casos, disseram-me que o pai é pior e aí é claro que o filho vai reproduzir aquilo que o pai diz. É preciso ter pedagogia com as crianças, estão a aprender, mas não se pode tolerar os insultos grosseiros a um árbitro ou outro qualquer. Se não mostrasse o cartão vermelho, ele iria aprender apenas se o repreendesse verbalmente? Penso que não. Mas custa, pois são crianças. Uma delas começou a chorar quando viu o cartão, nestes casos temos que manter a postura.




Z: E o que há de melhor na profissão?
L: O saber que estás a contribuir para que o um desporto que adoras corra dentro do melhor. Fazer parte do espetáculo que é o futebol é gratificante, ao mesmo tempo que é frustrante. Mas, no fim, acho que vale a pena. Hoje, até com jogadores que já expulsei, muitos passam por mim na rua e vêm ter comigo e cumprimentam-me. Sei que com outros colegas meus, isso não acontece, viram a cara e até ameaçam. Há melhor do que um jogador passar na rua e vir ter contigo? É sinal que estiveste bem. E eu, felizmente, posso dizer que tive mais decisões acertadas do que erradas.

Z: Um árbitro tem de tomar decisões em questões de segundos, "pequenino segundo que não era mais que uma eternidade na cabeça de um árbitro", como uma vez o Luís afirmou. Como gere este tempo?
L: Eu acho que esse tempo não pode ser gerido. Quanto maior a preparação e treino que um árbitro tiver, menores serão os seus erros. E então, quando determinado lance acontecer, e se houver concentração e preparação, ele tomará uma boa decisão. Digo que é uma eternidade porque, se errarmos, pelo menos eu era assim, ficava a matutar nessa decisão durante muito tempo, culpava-me, "já fiz asneira, já vai correr mal". Claro que depois vinha a parte racional que dizia "ok, erraste, passa à frente, são 90 minutos, dá-lhe!".

Z: Houve decisões tomadas dentro de campo que te marcaram de alguma forma?
L: Houve. As expulsões que há pouco referi, de meninos de 7 ou 8 anos, por exemplo. Mas também houve aquelas em que a minha equipa de arbitragem ficou contente com a decisão, porque não era mais do que fruto da nossa preparação, concentração e dinâmica.



Z: O que quer dizer com "nunca fui o melhor árbitro fora de campo"?
L: Esse sempre foi o meu maior defeito. Um árbitro não pode ser só aquilo que demonstra dentro de campo. Tem que haver o estudo permanente e o treino físico. E eu nunca fui mais longe porque me desleixava no treino físico, não passando nas provas físicas. Arrependo-me por isso, poderia ter chegado mais longe.


Continua na próxima semana… (ver Parte III)


Ana Zayara Michelli


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