Nascido
em Coimbra, em 1992, estudante de Jornalismo e que uma vez integrou a
Associação de Futebol da cidade, onde exerceu a função de árbitro durante 5
anos, de 2009 até 2014. Este é Luís Almeida, o entrevistado da semana.
Parte II (ver Parte I)
Z: A nível de jogadores de
futebol, este ano falou-se muito do investimento na base, nas formações,
principalmente por causa da Copa do Mundo. Acontece o mesmo com a arbitragem?
L:
Em Portugal, o investimento na arbitragem tem sido maior, apesar de tudo, das
restrições orçamentais. Ao mais alto nível, claro, é onde se nota isso. Ao
nível distrital, falta mais investimento para que se consigam cativar mais
árbitros e, ao nível das infraestruturas, se deem melhores condições a todos os
árbitros.
Z: Apesar da mudança, da
aposta na qualidade, falta algum incentivo adicional para que os árbitros portugueses
sejam internacionais e reconhecidos pelo mundo fora?
L:
Sinceramente, acho que não. Os árbitros internacionais portugueses têm
conseguido aquilo que nunca antes tinha sido feito e isso é sinal de que têm
condições para trabalhar e chegarem mais longe. O próprio Pedro Proença disse
que só conseguiu chegar onde chegou dado todo o investimento que o presidente
da Federação Portuguesa de Futebol fez nele.
Z: Qual é a maior dificuldade
nesta profissão?
L:
A maior dificuldade é a atividade em si. Só quem gosta mesmo é que se dá ao
luxo de ser insultado e ameaçado todos os fins-de-semana.
Z: Já fizemos uma entrevista
a um árbitro no “Remate da Z”, na qual perguntámos sobre como a família reage aos
insultos. Como reage a sua família?
L:
A minha mãe ainda foi ver alguns jogos meus e ela não regia muito porque sabia
que não o poderia fazer. Somente quando havia situações mais complicadas, de
confronto direto, é que ela reagia, demonstrando nervosismo. Uma das vezes, esteve
quase para entrar dentro de campo com o calor do momento, onde o treinador de
uma das equipas (referir que os miúdos não tinham mais que 8 anos - belo
exemplo a dar) dirigiu-se a mim no final do jogo, a ameaçar-me, a insultar-me e
a fazer-me peito. Porém, sabia que não o poderia fazer. Nem foi a pior
situação, mas foi uma das que a minha mãe assistiu.
Z: Então, qual foi a pior
situação que passou enquanto árbitro?
L:
Desse ponto de vista, foi uma vez em que um treinador me empurrou, deu-me um
murro no peito, encostou a testa dele na minha, fez-me peito, insultou,
ameaçou. Foi complicado.
Num ponto de vista mais emocional, foi ter que expulsar, por duas ou três vezes, miúdos com 7, 8 e 9 anos.
Num ponto de vista mais emocional, foi ter que expulsar, por duas ou três vezes, miúdos com 7, 8 e 9 anos.
Z: No primeiro caso, o
treinador agiu desta forma por causa de alguma decisão que você tomou em campo?
L:
Eles estavam a perder por 5-0 e, na altura, no final do jogo, eu fazia uma
espécie de flashback mental para ver se tinha ou não errado e conferenciava com
os meus assistentes. Naquele caso, era futebol de 7 e, por isso, só havia um
árbitro, então não podia recorrer aos meus colegas. Na altura duvidei do meu
trabalho, pensei "será que fui eu? Onde errei?" - porque um árbitro
erra sempre. Curiosamente, naquele jogo não tive nenhum erro grosseiro ou de
influência no resultado. Posso ter-me enganado em uma falta ou outra, mas isso
é normal. Sinceramente, não percebi o motivo, poderia entender melhor, apesar
de nada o justificar, se tivesse assinalado uma grande penalidade errada e que
essa tenha tido influência no resultado final, por exemplo. Mas não, eles
estavam a perder por 5-0.
Z: E no segundo caso, o que
justificou a expulsão desses meninos de 7 ou 8 anos?
L:
Não faz sentido que crianças insultem os árbitros de forma grosseira. Num dos
casos, disseram-me que o pai é pior e aí é claro que o filho vai reproduzir
aquilo que o pai diz. É preciso ter pedagogia com as crianças, estão a
aprender, mas não se pode tolerar os insultos grosseiros a um árbitro ou outro
qualquer. Se não mostrasse o cartão vermelho, ele iria aprender apenas se o
repreendesse verbalmente? Penso que não. Mas custa, pois são crianças. Uma
delas começou a chorar quando viu o cartão, nestes casos temos que manter a
postura.
Z: E o que há de melhor na
profissão?
L:
O saber que estás a contribuir para que o um desporto que adoras corra dentro
do melhor. Fazer parte do espetáculo que é o futebol é gratificante, ao mesmo
tempo que é frustrante. Mas, no fim, acho que vale a pena. Hoje, até com
jogadores que já expulsei, muitos passam por mim na rua e vêm ter comigo e
cumprimentam-me. Sei que com outros colegas meus, isso não acontece, viram a
cara e até ameaçam. Há melhor do que um jogador passar na rua e vir ter
contigo? É sinal que estiveste bem. E eu, felizmente, posso dizer que tive mais
decisões acertadas do que erradas.
Z: Um árbitro tem de tomar
decisões em questões de segundos, "pequenino segundo que não era mais que
uma eternidade na cabeça de um árbitro", como uma vez o Luís afirmou. Como
gere este tempo?
L:
Eu acho que esse tempo não pode ser gerido. Quanto maior a preparação e treino que
um árbitro tiver, menores serão os seus erros. E então, quando determinado
lance acontecer, e se houver concentração e preparação, ele tomará uma boa
decisão. Digo que é uma eternidade porque, se errarmos, pelo menos eu era
assim, ficava a matutar nessa decisão durante muito tempo, culpava-me, "já
fiz asneira, já vai correr mal". Claro que depois vinha a parte racional
que dizia "ok, erraste, passa à frente, são 90 minutos, dá-lhe!".
Z: Houve decisões tomadas
dentro de campo que te marcaram de alguma forma?
L: Houve. As expulsões que
há pouco referi, de meninos de 7 ou 8 anos, por exemplo. Mas também houve
aquelas em que a minha equipa de arbitragem ficou contente com a decisão,
porque não era mais do que fruto da nossa preparação, concentração e dinâmica.
Z: O que quer dizer com
"nunca fui o melhor árbitro fora de campo"?
L:
Esse sempre foi o meu maior defeito. Um árbitro não pode ser só aquilo que
demonstra dentro de campo. Tem que haver o estudo permanente e o treino físico.
E eu nunca fui mais longe porque me desleixava no treino físico, não passando
nas provas físicas. Arrependo-me por isso, poderia ter chegado mais longe.
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