O entrevistado desta semana é alguém que, como já foi
citado por Diogo Sá no último “Remate da Z”, inspira e ensina os jovens a
tornarem-se grandes guarda-redes, “ele mostra-nos a dificuldade que é tornar o
nosso sonho realidade, mas nunca desiste”. Porém, além de treinador de
guarda-redes da formação da Associação Académica de Coimbra (AAC), Rafael
Grácio também joga nesta posição na Equipa B de Seniores do mesmo clube.
Rafael, perto de fazer 26 anos, gosta de futebol desde pequeno, e fala sobre como concilia e complementa o trabalho e o estudo. Traz a sua visão sobre o reconhecimento dos treinadores de guarda-redes a nível nacional e de que forma é importante este trabalho para que os clubes sejam capazes de concretizar “Um Remate Certeiro”.
Z: Quem é o Rafael Grácio?
R: Então, neste
momento, em termos desportivos, sou o treinador dos guarda-redes dos sub-16,
sub-15 e sub-14 da AAC e coordeno também todo o Departamento de guarda-redes de
futebol de 7 da AAC que engloba todos os escalões, desde os Benjamins até aos
Infantis. Paralelamente
a esta atividade de treinador, sou também guarda-redes na Equipa B de Seniores
da AAC. O gosto pelo Futebol em mim surgiu desde pequeno, onde ia muitas vezes
com o meu avô ver os jogos do F.C. Porto ao estádio.
Z: Você sempre
quis seguir a área de treinador ou ao início pretendia ser somente guarda-redes
profissional?
R: A paixão pela posição específica de guarda-redes é algo que acho que
já nasceu comigo, mas ao mesmo tempo penso que foi fortemente influenciada pelo
também guarda-redes do F.C. Porto da altura, Vítor Baía, que era uma referência
para mim e para muitos guarda-redes na minha geração.
Quando
iniciei o meu trajeto como guarda-redes nos escalões jovens de formação
obviamente que sempre sonhei um dia ser guarda-redes profissional. Como tive a
felicidade de, durante o meu percurso de formação até aos juniores, jogar
sempre em bons clubes de formação, como o F.C. Porto e o C.D. Feirense, eu fui
tendo bons treinadores que me permitiram adquirir, ainda novo, algum
conhecimento em termos de treino.
Z: Qual foi o momento que o fez mudar de
direção e tornar-se treinador?
R: Na verdade,
tirando este ano, sempre consegui conciliar a minha atividade como treinador e
estar como jogador em plantéis semiprofissionais e digo semiprofissionais
porque treinávamos durante o dia.
No ano
passado joguei no CD Fátima e há 2 anos no SC Espinho. Portanto, ainda não tive
verdadeiramente de abdicar de jogar para ser treinador. Procurei estar colocado
como jogador em equipas que fossem profissionais ou semiprofissionais que
treinassem de manhã para depois ter o fim da tarde livre para me dedicar ao
treino.
Z: No entanto, por qual das profissões tem mais
preferência ou dá maior prioridade? Se tivesse que abdicar de um dos dois, qual
seria?
R: Neste momento,
se tivesse que abdicar de um dos dois seria de jogar, mas considero que se
deixar de jogar também fico a perder como treinador, pois ainda sou
relativamente novo e como jogador também estou ainda em constante aprendizagem,
acho que este esforço de tentar conciliar as duas atividades faz de mim melhor
treinador. Paralelamente a isso, licenciei-me em Sociologia na Faculdade de
Economia da Universidade de Coimbra, há 2 anos, e estou agora a frequentar o mestrado
em Treino de Alto Rendimento na Faculdade de Motricidade Humana em Lisboa.
Z: De
que forma a sua licenciatura e mestrado complementam o seu trabalho, enquanto jogador
e treinador?
R: Acho
fundamental sobretudo na área do treino. A sociologia é uma área muito
abrangente, ao longo da minha licenciatura tive várias disciplinas de várias
áreas específicas diferentes que nos dão ferramentas importantes para, por
exemplo, desenvolver técnicas de observação de comportamentos e isso é uma
grande ajuda no treino. Associado, claro, à experiência que tenho como
praticante, permite-me saber com algum grau de certeza aquilo que o meu atleta
está a pensar em determinada situação, sem ele mo dizer diretamente.
Quanto ao
mestrado em treino de alto rendimento, dá-nos ferramentas ótimas para
conseguirmos potenciar ao máximo os nossos atletas.
Z: Como consegue conciliar o estudante de
mestrado em Lisboa com o jogador e treinador em Coimbra?
R: Este mestrado
funciona à sexta e sábado, as aulas estão todas concentradas nesses dias e por
isso acaba por dar para conciliar.
Z: Falando da relação com os seus guarda-redes,
como é treinar jovens com o sonho de seguir carreira no futebol, mesmo sabendo
como é difícil seguir com sucesso nesta profissão?
R: Como sou
treinador de uma posição específica, acabo por ter uma relação de grande
amizade com os meus atletas, pois acredito ser essencial para que os atletas
consigam evoluir mais.
Procuro
transmitir-lhes sempre a ideia de que é preciso treinar muito para se conseguir
chegar ao futebol profissional e para além disso ter também o fator sorte do
lado deles e por isso também preocupo-me com o rendimento escolar deles. Mas,
felizmente, tenho treinado com guarda-redes de grande qualidade, alguns deles
internacionais e também já com maturidade suficiente para perceberem que chegar
ao futebol profissional não é tarefa fácil, por isso trabalhamos todos os dias
com esse objetivo e sonho em mente.
Z: Em sua
opinião ser guarda-redes, isto é, conseguir chegar a um nível profissional, é
mais difícil do que lá chegar jogando noutra posição?
R: Penso que não é mais difícil, mas sim um processo mais lento
comparado com outras posições. Isto é, muitas vezes um guarda-redes precisa de
fazer algumas épocas como sénior em equipas de menor dimensão para adquirir a
experiência a todos os níveis necessários para, depois sim, chegar ao topo.
Temos o exemplo do Beto que foi o nosso guarda-redes mais utilizado no último
mundial. Se analisarmos os primeiros anos de sénior dele vemos que jogou em
clubes de divisões secundárias para agora estar no topo do futebol, o que
acontece é que muitos atletas não aguentam essa fase e optam por seguir outros
caminhos que não o do futebol profissional.
Por outro
lado, vê-se agora, nomeadamente na Bundesliga (campeonato alemão), esta tendência
a ser contrariada com o aparecimento de muitos guarda-redes jovens a jogar logo
no escalão máximo e que nos deve fazer pensar que talvez devemos modificar
alguma coisa em termos do treino de guarda-redes aqui em Portugal, onde é
bastante raro isso acontecer. Vejamos a nossa primeira liga onde o número de guarda-redes
jovens portugueses a jogar com regularidade é praticamente inexistente.
Z: Sendo uma das pessoas responsáveis pela
formação de jovens, acha que o investimento feito na base é o necessário? Ou
ainda é insuficiente?
R: Acho que em
Portugal acabamos por ter os extremos. Temos, por exemplo, um Benfica que faz
um investimento fortíssimo no futebol de formação e os resultados estão à vista,
assim como o Porto e o Sporting. Depois outro conjunto de equipas, por exemplo
Braga e Guimarães, que também apostam e claro que não estou aqui a referir
todas mas, em termos globais, acaba por ser pouco. Porém, isso também é o
reflexo do contexto de crise económica em que nos encontramos e que afeta o
futebol, não só de formação, como profissional.
Z: Mas este
investimento não deveria ser de responsabilidade da Federação Portuguesa de Futebol
e não dos clubes?
R: Acho que
neste caso acaba por ser o próprio contexto de crise o grande responsável. Quanto
à responsabilidade da FPF não lhe posso dar uma opinião porque não sei
exatamente quais os apoios que dá para o futebol de formação. Penso sim, que em
Portugal acabamos, como já disse, por ter os dois polos opostos: o topo e o
quase nada em termos de formação.
Z: Como foi a sua formação para se tornar
treinador de guarda-redes?
R: A área do
treino de guarda-redes tem nos últimos anos sofrido uma grande evolução aqui em
Portugal. Como treinador procuro estar presente no maior número de congressos e
ações de formação, tanto em Portugal como no estrangeiro. No verão passado
tivemos no Porto o primeiro Congresso Internacional de Treinadores de Guarda-redes,
onde estiveram presentes alguns dos melhores treinadores de guarda-redes do
mundo.
Além disso
procuro realizar estágios em clubes de topo. Tive, por exemplo, no verão
passado no Atlético de Madrid e no Panathinaikos (clube grego). O mestrado de
Treino de Alto Rendimento, a licenciatura e o meu próprio percurso enquanto
atleta também ajudaram bastante neste processo de aquisição dos conhecimentos
que tenho hoje mas, acima de tudo, procuro estar em constante atualização, pois
o próprio futebol está em constante mudança e aquilo que hoje é exigido a um
guarda-redes em campo é muito diferente daquilo quer era há 15 anos atrás.
Z: Pode apontar
algumas dessas mudanças?
R: É um processo
constante de formação e atualização. Por exemplo, em termos de jogo com os pés,
aquilo que era exigido a um guarda-redes há 15 anos atrás era muito pouco ou
nada, hoje um guarda-redes para poder jogar a um nível elevado tem que dominar
completamente o jogo de pés. Outra evolução tem a ver com aquilo que chamamos o
controlo da profundidade, onde o guarda-redes tem muitas vezes que intervir em
bolas em zonas do campo bem fora da sua baliza.
Há muitas
mudanças, portanto os exercícios e a orientação tanto no treino como no jogo têm
que ir ao encontro dessas mudanças, parece uma coisa relativamente simples mas
este processo de atualização quase dia-a-dia não é assim tão fácil.
Continua na
próxima semana… (ver Parte II)
Ana Zayara
Michelli
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