sábado, 31 de janeiro de 2015

Remate da Z - Rafael Grácio (Parte I)

O entrevistado desta semana é alguém que, como já foi citado por Diogo Sá no último “Remate da Z”, inspira e ensina os jovens a tornarem-se grandes guarda-redes, “ele mostra-nos a dificuldade que é tornar o nosso sonho realidade, mas nunca desiste”. Porém, além de treinador de guarda-redes da formação da Associação Académica de Coimbra (AAC), Rafael Grácio também joga nesta posição na Equipa B de Seniores do mesmo clube.

Rafael, perto de fazer 26 anos, gosta de futebol desde pequeno, e fala sobre como concilia e complementa o trabalho e o estudo. Traz a sua visão sobre o reconhecimento dos treinadores de guarda-redes a nível nacional e de que forma é importante este trabalho para que os clubes sejam capazes de concretizar “Um Remate Certeiro”.     



Z: Quem é o Rafael Grácio?
R: Então, neste momento, em termos desportivos, sou o treinador dos guarda-redes dos sub-16, sub-15 e sub-14 da AAC e coordeno também todo o Departamento de guarda-redes de futebol de 7 da AAC que engloba todos os escalões, desde os Benjamins até aos Infantis. Paralelamente a esta atividade de treinador, sou também guarda-redes na Equipa B de Seniores da AAC. O gosto pelo Futebol em mim surgiu desde pequeno, onde ia muitas vezes com o meu avô ver os jogos do F.C. Porto ao estádio.

Z: Você sempre quis seguir a área de treinador ou ao início pretendia ser somente guarda-redes profissional?
R: A paixão pela posição específica de guarda-redes é algo que acho que já nasceu comigo, mas ao mesmo tempo penso que foi fortemente influenciada pelo também guarda-redes do F.C. Porto da altura, Vítor Baía, que era uma referência para mim e para muitos guarda-redes na minha geração.


Quando iniciei o meu trajeto como guarda-redes nos escalões jovens de formação obviamente que sempre sonhei um dia ser guarda-redes profissional. Como tive a felicidade de, durante o meu percurso de formação até aos juniores, jogar sempre em bons clubes de formação, como o F.C. Porto e o C.D. Feirense, eu fui tendo bons treinadores que me permitiram adquirir, ainda novo, algum conhecimento em termos de treino.


Z: Qual foi o momento que o fez mudar de direção e tornar-se treinador?
R: Na verdade, tirando este ano, sempre consegui conciliar a minha atividade como treinador e estar como jogador em plantéis semiprofissionais e digo semiprofissionais porque treinávamos durante o dia.
No ano passado joguei no CD Fátima e há 2 anos no SC Espinho. Portanto, ainda não tive verdadeiramente de abdicar de jogar para ser treinador. Procurei estar colocado como jogador em equipas que fossem profissionais ou semiprofissionais que treinassem de manhã para depois ter o fim da tarde livre para me dedicar ao treino.


Z: No entanto, por qual das profissões tem mais preferência ou dá maior prioridade? Se tivesse que abdicar de um dos dois, qual seria?
R: Neste momento, se tivesse que abdicar de um dos dois seria de jogar, mas considero que se deixar de jogar também fico a perder como treinador, pois ainda sou relativamente novo e como jogador também estou ainda em constante aprendizagem, acho que este esforço de tentar conciliar as duas atividades faz de mim melhor treinador. Paralelamente a isso, licenciei-me em Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, há 2 anos, e estou agora a frequentar o mestrado em Treino de Alto Rendimento na Faculdade de Motricidade Humana em Lisboa.

Z: De que forma a sua licenciatura e mestrado complementam o seu trabalho, enquanto jogador e treinador?
R: Acho fundamental sobretudo na área do treino. A sociologia é uma área muito abrangente, ao longo da minha licenciatura tive várias disciplinas de várias áreas específicas diferentes que nos dão ferramentas importantes para, por exemplo, desenvolver técnicas de observação de comportamentos e isso é uma grande ajuda no treino. Associado, claro, à experiência que tenho como praticante, permite-me saber com algum grau de certeza aquilo que o meu atleta está a pensar em determinada situação, sem ele mo dizer diretamente.


Quanto ao mestrado em treino de alto rendimento, dá-nos ferramentas ótimas para conseguirmos potenciar ao máximo os nossos atletas.

Z: Como consegue conciliar o estudante de mestrado em Lisboa com o jogador e treinador em Coimbra?
R: Este mestrado funciona à sexta e sábado, as aulas estão todas concentradas nesses dias e por isso acaba por dar para conciliar.

Z: Falando da relação com os seus guarda-redes, como é treinar jovens com o sonho de seguir carreira no futebol, mesmo sabendo como é difícil seguir com sucesso nesta profissão?
R: Como sou treinador de uma posição específica, acabo por ter uma relação de grande amizade com os meus atletas, pois acredito ser essencial para que os atletas consigam evoluir mais.


Procuro transmitir-lhes sempre a ideia de que é preciso treinar muito para se conseguir chegar ao futebol profissional e para além disso ter também o fator sorte do lado deles e por isso também preocupo-me com o rendimento escolar deles. Mas, felizmente, tenho treinado com guarda-redes de grande qualidade, alguns deles internacionais e também já com maturidade suficiente para perceberem que chegar ao futebol profissional não é tarefa fácil, por isso trabalhamos todos os dias com esse objetivo e sonho em mente.

Z: Em sua opinião ser guarda-redes, isto é, conseguir chegar a um nível profissional, é mais difícil do que lá chegar jogando noutra posição?
R: Penso que não é mais difícil, mas sim um processo mais lento comparado com outras posições. Isto é, muitas vezes um guarda-redes precisa de fazer algumas épocas como sénior em equipas de menor dimensão para adquirir a experiência a todos os níveis necessários para, depois sim, chegar ao topo. Temos o exemplo do Beto que foi o nosso guarda-redes mais utilizado no último mundial. Se analisarmos os primeiros anos de sénior dele vemos que jogou em clubes de divisões secundárias para agora estar no topo do futebol, o que acontece é que muitos atletas não aguentam essa fase e optam por seguir outros caminhos que não o do futebol profissional.


Por outro lado, vê-se agora, nomeadamente na Bundesliga (campeonato alemão), esta tendência a ser contrariada com o aparecimento de muitos guarda-redes jovens a jogar logo no escalão máximo e que nos deve fazer pensar que talvez devemos modificar alguma coisa em termos do treino de guarda-redes aqui em Portugal, onde é bastante raro isso acontecer. Vejamos a nossa primeira liga onde o número de guarda-redes jovens portugueses a jogar com regularidade é praticamente inexistente.

Z: Sendo uma das pessoas responsáveis pela formação de jovens, acha que o investimento feito na base é o necessário? Ou ainda é insuficiente?
R: Acho que em Portugal acabamos por ter os extremos. Temos, por exemplo, um Benfica que faz um investimento fortíssimo no futebol de formação e os resultados estão à vista, assim como o Porto e o Sporting. Depois outro conjunto de equipas, por exemplo Braga e Guimarães, que também apostam e claro que não estou aqui a referir todas mas, em termos globais, acaba por ser pouco. Porém, isso também é o reflexo do contexto de crise económica em que nos encontramos e que afeta o futebol, não só de formação, como profissional.

Z: Mas este investimento não deveria ser de responsabilidade da Federação Portuguesa de Futebol e não dos clubes?
R: Acho que neste caso acaba por ser o próprio contexto de crise o grande responsável. Quanto à responsabilidade da FPF não lhe posso dar uma opinião porque não sei exatamente quais os apoios que dá para o futebol de formação. Penso sim, que em Portugal acabamos, como já disse, por ter os dois polos opostos: o topo e o quase nada em termos de formação.

Z: Como foi a sua formação para se tornar treinador de guarda-redes?
R: A área do treino de guarda-redes tem nos últimos anos sofrido uma grande evolução aqui em Portugal. Como treinador procuro estar presente no maior número de congressos e ações de formação, tanto em Portugal como no estrangeiro. No verão passado tivemos no Porto o primeiro Congresso Internacional de Treinadores de Guarda-redes, onde estiveram presentes alguns dos melhores treinadores de guarda-redes do mundo.


Além disso procuro realizar estágios em clubes de topo. Tive, por exemplo, no verão passado no Atlético de Madrid e no Panathinaikos (clube grego). O mestrado de Treino de Alto Rendimento, a licenciatura e o meu próprio percurso enquanto atleta também ajudaram bastante neste processo de aquisição dos conhecimentos que tenho hoje mas, acima de tudo, procuro estar em constante atualização, pois o próprio futebol está em constante mudança e aquilo que hoje é exigido a um guarda-redes em campo é muito diferente daquilo quer era há 15 anos atrás.

Z: Pode apontar algumas dessas mudanças?
R: É um processo constante de formação e atualização. Por exemplo, em termos de jogo com os pés, aquilo que era exigido a um guarda-redes há 15 anos atrás era muito pouco ou nada, hoje um guarda-redes para poder jogar a um nível elevado tem que dominar completamente o jogo de pés. Outra evolução tem a ver com aquilo que chamamos o controlo da profundidade, onde o guarda-redes tem muitas vezes que intervir em bolas em zonas do campo bem fora da sua baliza.


Há muitas mudanças, portanto os exercícios e a orientação tanto no treino como no jogo têm que ir ao encontro dessas mudanças, parece uma coisa relativamente simples mas este processo de atualização quase dia-a-dia não é assim tão fácil.

Continua na próxima semana… (ver Parte II)

Ana Zayara Michelli


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