Esta
semana no “Remate na Gaveta” vamos falar do Pedro, um menino angolano, natural
do Huambo, que num dos dias da sua infância se queimou. Os amigos, longe de
imaginarem o futuro de Pedro, batizaram-no de “mano torras”. E assim nascia
Mantorras!
Mantorras
deu os seus primeiros passos no mundo do futebol no Progresso de Sambizanga,
período em que começou a chamar a atenção dos olheiros dos grandes clubes de
futebol. O FC Barcelona não ficou indiferente e convidou-o para um período de
testes no clube catalão. Jorge Mendes levou o “menino” e as suas prestações foram
muito boas mas um desacordo de verbas e a existência de apenas uma vaga
extracomunitária por preencher (com o pequenino e veloz Haruna Babangida, promessa
nigeriana, também em destaque) fizeram abortar o negócio.
Foi
então que Pedro tentou o futebol português. Começou na Académica de Coimbra, em
1999, mas foi pelo FC Alverca que assinou o seu primeiro contrato, com apenas
17 anos. Foi o início de um período de sonho na sua vida.
O
FC Alverca militava na Primeira Liga e tinha como Presidente Luís Filipe
Vieira! Foi ali que se começou uma relação de grande cumplicidade entre o
menino angolano e o atual Presidente do SL Benfica, uma relação de pai para
filho, um prenúncio dos laços que se reforçariam mais tarde no clube da Luz.
Foi no clube ribatejano, ao longo de ano e meio, que todos nos apercebemos que
estava ali um talento puro, a precisar de ser trabalhado, mas com grande
potencial de jogar a um grande nível! Mantorras somava excelentes exibições,
multiplicava-se em campo, a cada jogo que passava subtraíam as dúvidas que
sobre ele recaiam, era o expoente máximo do FC Alverca e os adversários só o
paravam pela raiz, nada quadrada… O limite do angolano parecia ser o infinito e
os 10 golos na temporada de 2000/01, para um miúdo de 18/19 anos, eram um
excelente cartão-de-visita! A prova dos nove e o estrelato chegaram no jogo com
o Sporting CP em 2001, em que os pupilos do Professor Jesualdo Ferreira
venceram por 3:1 e Mantorras espalhou raça e marcou um golão!
O
salto era inevitável e o avançado angolano de 19 anos escolheu o SL Benfica! O
SL Benfica de… Jesualdo Ferreira e de Luís Filipe Vieira (que tinha acabado de
integrar a estrutura diretiva de Manuel Vilarinho), que não perderam a
oportunidade de contratar esta pérola africana! De imediato se recuperaram as
memórias de Eusébio, da sua estreia pelos encarnados, das suas exibições, dos
golos que marcava! A comparação era inevitável, nunca um jovem com origens
africanas, de tão tenra idade, se impunha no jogo encarnado de forma tão firme
e tão unânime depois de Eusébio! O próprio Eusébio antevia-lhe um futuro
brilhante!
Mantorras
teve uma entrada fulgurante com a camisola encarnada, no terreno do Varzim.
Infelizmente, para ele e para o SL Benfica, o Varzim SC conseguiu o empate a 2
já muito perto do fim, num jogo em que Mantorras foi alvo de uma marcação
impediosa, os defesas varzinistas (Alexandre em grande destaque) não deram um
centímetro de espaço ao angolano e recorreram à falta inúmeras vezes para o
travar (que acabou esse jogo com dois dedos deslocados)! No final da partida
Luís Filipe Vieira proferiu uma das frases mais virais e mediáticas no universo
benfiquista: “Deixem jogar o Mantorras”!
E
Mantorras, sempre alvo de marcação redobrada, tamanha era a sua qualidade e
força, foi jogando e encantando! Mantorras era fogo, era terra e deixava os
seus adversários em água sempre que o perfume do seu jogo pairava pelo ar. As
bancadas da Luz extasiavam ao ver a força do diamante africano, os golos que
marcava, o seu amor à camisola, a sua raça e dedicação, o seu talento…
No
final da sua primeira época pelo SL Benfica, Mantorras tinha marcado 13 golos e
os holofotes dos grandes clubes mundiais não o largavam, o brilho era imenso!
Perante tamanho assédio, com o FC Barcelona à cabeça, Luís Filipe Vieira não
pestanejou: “Quem quiser Mantorras terá de pagar 18 milhões de contos (90
milhões de euros)!” e a conversa ficou logo por ali.
No entanto, 2002 foi um ano muito complicado para o angolano, que se deparou com uma grave lesão no joelho direito, a primeira de várias. E assim quebrou Mantorras, ou melhor, quebraram-no! Aquilo que seria um período de recuperação de 6 meses foi apenas o início de um longo calvário de quase dois anos. No período de 2002 a 2004, Mantorras foi sujeito a quatro intervenções a esse joelho! Na sua autobiografia (escrita em 2007) culpou o médico benfiquista Bernardo Vasconcelos pela sua não-recuperação, acusando-o de omitir o seu verdadeiro estado clínico e não o obrigando a parar definitivamente para recuperar da lesão. Pelo contrário, Mantorras ia insistindo na recuperação rápida e piorando cada vez mais!
Voltou
aos relvados na temporada de 2004/05, de Trapattoni, com muitas limitações. O
técnico italiano percebeu que apenas podia contar com o angolano por um período
de 15/20 minutos por partida e era precisamente isso que fazia. Os adeptos e a
equipa agradeciam! O jogo podia estar a correr mal aos encarnados, passes
errados, jogadas mal definidas, remates sem rumo, assobios e contestação ao
mister. Tudo isso era esquecido quando o treinador olhava para o banco e
mandava Mantorras aquecer! O bruaá nas bancadas era evidente, o
efeito-Mantorras deixava o adversário a tremer e a confiança e alegria
despertavam finalmente a equipa da Luz, empolgando-a nos minutos finais! Foi
assim que o talismã angolano ainda marcou 5 golos nessa época e foi
determinante para o título encarnado, definido pelo próprio como “o momento
alto da minha carreira”!
Para tristeza de todos, a recuperação de Mantorras nunca foi total, as suas limitações eram evidentes e a continuidade no plantel encarnado era apenas suportada pela excelente relação com os adeptos e estrutura diretiva! Todos tinham a perfeita noção de que já não poderia ser um atleta de alta competição. Foi então que abandonou o SL Benfica em 2011, aos 28 anos. Ainda tentou o Primeiro de Agosto (Angola) mas o seu joelho não deixou, obrigando-o imediatamente a desistir…
Desde
Junho de 2012 que se tornou embaixador itinerante do SL Benfica, tendo sido
homenageado num jogo de despedida nesse mesmo ano. Luís Filipe Vieira
sentenciou que “o Pedro é um exemplo de entrega, de superação, de sacrifício,
de otimismo e de persistência… este é o momento de parar de lutar contra o
sofrimento, contra as dores, contra as limitações físicas que o impediram de
ser o que ele merecia e podia ter sido: uma referência mundial do futebol”! Eu também
acredito que Mantorras tinha mesmo qualidade para se impor no futebol mundial,
tivesse tido oportunidade de jogar!
A carreira promissora e a vida do jogador que tinha tudo para ser trágica, tornaram-se numa paixão de multidões, tornaram Mantorras num símbolo de força, de alegria, de festa! O futebol tem esta relação especial com os seus heróis! Obrigado Pedro!
Mantorras,
uma vez amado, para sempre recordado!
A
memória do João
Grande artigo!
ResponderEliminar"Desde Junho de 2002 que se tornou embaixador itinerante do SL Benfica." 2012
Obrigado pelo apoio e pela correção!
EliminarAbraço!